segunda-feira, 4 de março de 2013

Interrogatório? Pra quê?

O causo da semana!

Pessoal, de agora em diante, vai ter causo novo toda segunda-feira. Claro, se aparecer mais alguma situação absurda, vai sair causo extra. Mas é garantido, causo novo toda semana.

O assunto, um dos meus temas preferidos: viagens!

Viajar é sempre bom. Mesmo quando é ruim, é bom. Sair de casa, conhecer gente diferente, lugares exóticos, experimentar coisas novas. E, principalmente, interagir com os cidadãos locais. Soa como se fosse conselho de psiquiatra de hospício, mas é bem por aí. Adoro interagir!

Já viajei muito sozinha por esse mundão. No Brasil e no exterior. E mulher, viajando sozinha, passa por cada saia justa... Só escrevendo um causo mesmo...

A viagem a Fernando de Noronha, por exemplo. Estava sozinha. E nem tem mais o que falar daquele perrengue, certo?

Tem uma coisa: mulher viajando sozinha chama a atenção. Tem gente que admira a coragem, o desprendimento da viajante. Tem gente que morre de dó, pensando "ah, coitada, tá encalhada, sem companhia pra viajar". Ou então, falam na cara dura: essa aí é louca mesmo.

Claro, já falaram tudo isso pra mim, né?

Em Porto Seguro, por exemplo. Estava eu, bela, faceira e sozinha, na passarela do álcool. Detalhe: eu não sou de beber. Mas já que era atração turística, fui conhecer.

Tem lugares que você se sente um verdadeiro ET, e eu era a alienígena naquele lugar.  Bando de jovens comemorando a formatura, casais em lua de mel, famílias com crianças... E eu, o Chapolim Colorado da vez, sozinha.

Estava à procura de um lugar para jantar. Mas foi difícil conseguir uma mesa. Quem, em sã consciência, iria disponibilizar uma mesa com dois lugares para apenas uma pessoa pagante?

Só consegui no quarto restaurante. Quando disse ao garçom que estava sozinha, ele arregalou os olhos e disse:

- Sozinha? Tem certeza?

Balancei a cabeça afirmativamente. E ele retrucou:

- Uau, mas que coragem!

E logo arranjou uma mesa pra mim. Finalmente, jantar!

Uma coisa é certa. Quando se viaja sozinha, a interação com o pessoal local fica mais fácil. Principalmente com os motoristas: de ônibus, de taxi, de van... Até de condutores de carruagens em Nova York, eles adoram conversar.

Esse pessoal abre o coração para uma turista sozinha. Não sei se eu tenho uma cara simpática (quanta pretensão, heim?), se eles fazem isso com todo mundo mesmo ou só pensam: posso falar qualquer coisa, ela vai voltar para aquele fim de mundo que é o Brasil e ninguém vai ficar sabendo mesmo!

Foi assim com o motorista de taxi em Dubai. Meu pai e minha tia não queriam visitar o Burj Khalifa, o prédio mais alto do mundo.  Eu não iria deixar passar essa chance de maneira alguma! Deixei os dois para trás e peguei um taxi.  Sozinha e em um país muçulmano. Alguns, nessa parte, já me disseram "você foi louca de ter feito isso"!

Pode até ser. Mas eu me diverti a valer com o taxista paquistanês! Ele me contou, em inglês e com sotaque carregado, toda a história da vida dele. Contou da família, do trabalho, dos problemas.  Claro, conhecia o Ronaldo fenômeno. E quis saber da minha vida no Brasil. Eu não me fiz de rogada, fui falando tudo também!É o tipo de coisa que geralmente não acontece quando se tem companhia para viajar. Ficamos mais entretidos com quem está conosco do que com as pessoas à nossa volta, não é?

Ah, os guias também se aproximam mais de quem está sozinha. Quando estava visitando as instalações da NASA em Houston, Texas, um dos guias ficou encantado ao saber que eu era brasileira. Há poucos dias, ele havia assistido a um programa sobre o Brasil, no "60 minutes". Estava curioso para saber mais, e me desferiu uma série de perguntas durante o tour. Realiza: eu, em frente a uma réplica da Estação Espacial Internacional, usada para treinamento de astronautas, explicando ao guia da NASA que o Lula estava muito longe de ser o "Messias". Ele é que deveria estar me explicando coisas!

Mas foi em Nova Orleans que tive a experiência mais bizarra no quesito "mulher viajando sozinha".

Não há cidade tão exótica e fascinante como Nova Orleans. Já dei uma "canja" sobre essa viagem no causo da Bienal do Livro do RJ. Mas o que vou contar agora é inédito. E só aconteceu, claro, porque era uma mulher, brasileira e viajando sozinha.

Certa noite, embarquei em um cruzeiro pelo rio Mississipi. O passeio consistia em navegar a bordo do steamboat Natchez, para jantar e assistir a um show de dixieland. Sabem aqueles barcos típicos do Mississipi, movidos a vapor com rodas de pás como propulsão? Então. Foi uma verdadeira viagem no tempo.

No salão de jantar, sentei, pra variar, sozinha em uma mesa. Estava pensando na comida quando duas senhoras, da mesa ao lado, puxaram assunto comigo. Eram duas irmãs, israelenses, que moravam em Belém. Não a do Pará,  a bíblica mesmo, Bethlehem! De início, não entendi o nome da cidade, elas falaram com um sotaque carregado e, pra falar a verdade, estou familiarizada com Belém, não Bethlehem. Quando perguntei onde ficava essa cidade (santa ignorância), uma delas me repreendeu:

- Não conhece a cidade onde Jesus Cristo nasceu?

Ah, Belém... Aff!

Recebi o convite para me sentar à mesa com elas e não me fiz de rogada. Aceitei, e nos pusemos a conversar, em inglês.
Ficaram de queixo caído quando souberam que eu era brasileira e estava viajando sozinha. Até aí tudo bem, já estava acostumada com essa reação. Mas depois a conversa adquiriu uma conotação diferente. Virou um interrogatório sobre a minha vida!

As perguntas, no início, eram triviais: quantos anos, solteira ou casada, trabalho e por aí vai.

A certa altura, o interrogatório ficou mais pessoal:

- O seu emprego paga bem?

- Você tem carro?

- Tem namorado? Já foi casada? Por que nunca se casou?

- Tem casa própria?

E assim foi... Algumas eu respondia a verdade, outras, inventava qualquer coisa. Como explicar a estranhos porque eu nunca me casei? Nem eu mesma sei essa resposta! Meu desconforto crescia a cada nova inquirição.

Até que fizeram a pergunta mais estranha de todas:

- Você é uma mulher esperta?

Heim?

Como assim, esperta?

Fiz cara de paisagem. Não sabia o que responder. Mas que diabos de pergunta é essa?

Resolvi chutar o balde! Respondi:

- Bom, sou alfabetizada, meu QI tá na média e o meu psicotécnico é razoável... Ah, e sei dançar ballet!

As duas irmãs franziram o cenho. Uma olhou para a outra... E reformularam a pergunta:

- A gente quer saber se você não se deixa enganar, se consegue se virar sozinha... Se você tem dinheiro.

 Pensei com os meus botões: estou aqui sozinha, não estou? Acham que não consigo me virar? Pelamordedeus, querem saber o meu saldo bancário? Onde eu fui me meter?

Resolvi encerrar a "entrevista" com uma resposta seca:

- Eu me sustento e não preciso dar satisfação da minha vida a ninguém.

Acho que perceberam que tinham ido longe demais. Ou decidiram que eu não servia para alguma coisa, sei lá. Tem muita gente louca e mal intencionada por aí... Eu fiquei ressabiada.

Felizmente, já havíamos terminado o jantar. Pedi licença e disse que iria conhecer o navio. Não as convidei, obviamente. Perambulei pelo Natchez, fui à casa das máquinas, curti a paisagem de Nova Orleans. Mas volta e meia eu cruzava com as duas, que me cumprimentavam. Eu s acenava com a cabeça: tá, me deixem em paz!

O passeio foi maravilhoso, apesar do interrogatório. Mas confesso a vocês: o tour nos cemitérios assombrados por vampiros, à noite, foi menos assustador do que as duas irmãs israelenses.

Bom dia, pessoal!

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